Falámos com Sofia Magalhães, autora do Blog da Spice, sobre alimentos, estilos de vida e Natureza.
A Sofia privilegia a comida saudável, confecionada sempre com ingredientes naturais, biológicos e próprios de cada estação. Quando começou essa paixão?
A paixão pela culinária já vem desde miúda, sempre gostei de cozinhar e de estar na cozinha. Porém nunca pensei fazer disso vida, até há alguns anos. O despertar para uma alimentação saudável foi algo de mais gradual. Em 2015, eu tinha acabado de me mudar para Angola quando o país atravessou talvez a maior crise petrolífera de sempre. Os supermercados estiveram quase vazios vários meses, tinham apenas os produtos da terra – com os quais eu não estava acostumada a cozinhar – e tive, por força das circunstâncias, de começar a pesquisar mais sobre eles, sobre os seus benefícios, como confecioná-los, etc. Ao mesmo tempo estava a passar por uma fase mais introspetiva em termos pessoais. Tudo isto levou-me a pesquisar cada vez mais sobre os efeitos da alimentação no nosso corpo e mente e a despertar para um novo estilo de vida.
Podemos dizer que vê como um grande ganho, para o indivíduo e para a natureza, uma alimentação slow food?
Claro que sim, e não só uma alimentação slow food como na verdade uma vida mais slow. Cada vez mais vivemos com pressa de tudo. Queremos dinheiro rápido, dietas rápidas, saúde rápida. Somos incentivados a trabalhar rápido, a comprar rápido, a comer rápido, a viver rápido e isso está a matar-nos aos poucos. Estamos completamente dessintonizados com a Natureza, com os seus ciclos e com nós próprios. Não investimos tempo a conhecer-nos, a saber como funciona o nosso corpo, o que lhe faz bem, o que lhe faz mal. Como podemos passar 70, 80, 90 anos num corpo e não saber que alimentos o beneficiam e prejudicam? Ou como funciona o nosso pensamento, o nosso lado emocional? Acabamos por ser um bocadinho “zombies” nesta perspetiva. E claro que se não estamos em harmonia com a Natureza acabamos por querer que ela se ajuste a nós e às nossas vontades, com todos os efeitos colaterais a que isso obriga. Precisamos de criar mais consciência na forma como vivemos, que passa também pela forma como nos alimentamos, claro.
Falando em slow, essa paixão é com certeza, também, um modo de vida. Que mudanças teve de fazer em busca de um estilo slow living?
Sim, é impossível dissociarmos tudo isto. Quando “desaceleramos” numa área da nossa vida acabamos por ter que o fazer em todas, mesmo que gradualmente. A tomada de consciência e a paz e serenidade que essa “desaceleração” nos trazem são como um interruptor que de repente se ligou e passou a fazer-nos ver a vida de uma outra forma. E já não conseguimos voltar atrás, já não conseguimos deixar de pensar no impacto das nossas escolhas em nós e no mundo. E isto vai desde mudanças pequenas como passar a levar os nossos próprios sacos e recipientes quando vamos às compras, para evitar o desperdício de plástico por exemplo, até outras maiores como tomar a decisão de deixar de viver na cidade e passar a viver no campo.
O que a trouxe para Sobral de Monte Agraço?
Uma vontade enorme de mudar de vida, de desacelerar, de estar mais próxima e conectada com a Natureza. De ter a oportunidade de cultivar e colher alguma parte daquilo que como. Por outro lado, com a noção que tanto eu como o meu marido precisamos de ir muitas vezes a Lisboa em trabalho, logo escolhemos um local com “o melhor dos dois mundos”: estamos imersos na Natureza e relativamente perto da cidade. Além disso, é impossível não nos apaixonar pelas vistas desta terra, são maravilhosas!
A Sofia tem um blogue sobre comida saudável, o Blog da Spice. O que podemos encontrar nesse blogue?
Podem encontrar receitas para o dia a dia e até para ocasiões especiais, com ingredientes naturais, honestos e da estação. Partilho também um bocadinho da minha vida, daquilo que me inspira, das minhas escolhas e também muitas dicas para uma vida mais sustentável e saudável. Para além do meu site, tenho ainda as redes sociais, Facebook e Instagram [@blogdaspice], onde acabo por partilhar um pouco do meu dia a dia e ter um contacto mais direto com quem me segue: tiro dúvidas, dou sugestões, partilho dicas, etc.
E porquê Spice?
Porque era – e é – a minha alcunha de adolescência. Era fã das Spice Girls, sabia as músicas e coreografias de cor e as minhas amigas começaram a chamar-me Spice (ainda hoje o fazem!). Quando criei o blog achei que tinha que dar-lhe um cunho genuíno e assim nasceu o Blog da Spice.
A sua experiência como recém-mamã fê-la refletir sobre a alimentação de bebés. O que tem para partilhar connosco sobre esse assunto?
A maternidade fez-me refletir num sem número de temas, na verdade, mas, claro, na alimentação também. Sempre quis dar uma alimentação o mais natural possível ao Henrique, por isso faço todas as sopas e papas em casa. Notei que isso começou a gerar imenso interesse por parte de quem acompanha as minhas redes sociais e acabei por criar uma página no meu site só com receitas para bebés. A fase da introdução alimentar é importantíssima nas crianças e pode inclusive determinar uma boa ou má relação com a comida a longo prazo. Porém, poucas pessoas têm consciência disto. É preciso deixar a criança explorar os alimentos, as cores, sabores, texturas, mas muitas vezes são impedidas disso porque sujam. O sujar-se faz parte, é ótimo e necessário. Além disso, é ótimo expormos as crianças à maior variedade de alimentos possível assim que elas estejam aptas para tal. Por isso, desde que o Henrique começou a introdução alimentar já provou uma infinidade de frutas, legumes, leguminosas e cereais. Carne e peixe também, mas comemo-los em pouca quantidade aqui por casa.
Qual é o conceito do “pic nic club”?
A ideia do “pic nic club” é organizar piqueniques em locais onde normalmente não o conseguiríamos fazer. O objetivo é dar a conhecer locais de beleza natural e/ou importância histórica que estão subvalorizados em termos turísticos. Por isso, neste conceito cada edição é num local diferente, para proporcionar uma experiência diferente. É um piquenique onde só precisamos de chegar, sentar e desfrutar. Este evento proporciona uma tarde bem passada, entre amigos e família, com comida saudável, local, sazonal, e sempre conhecemos um bocadinho mais do nosso País.
A primeira edição do “pic nic club” intitulou-se By the Hill e decorreu no Forte de Alqueidão. Como descreve essa experiência?
Foi o melhor local que poderíamos ter pedido para a primeira edição. Uma vista fantástica, um local com imensa história, foi sem dúvida maravilhoso. A primeira edição aconteceu há 2 anos e desde então tenho pessoas a perguntar quando se repetirá. Vieram pessoas de norte a sul que nunca tinham conhecido esta zona e ficaram maravilhadas, com muita vontade de repetir a experiência.
Nessa edição teve como convidada especial a Sara Diniz, uma adepta do relaxamento, da meditação e de uma vida mais equilibrada e sem desperdício. A Sofia também dá muito valor à sustentabilidade do ambiente e ao respeito pelos ecossistemas. Como podemos conciliar esses aspetos tão fundamentais para a sobrevivência do planeta com as vidas de hoje em dia? Sobretudo tendo pela frente o desafio de alimentar 7,7 biliões de pessoas em todo o mundo?
A alimentação é um ponto fulcral, as nossas escolhas alimentares (tanto do que comemos como do que deixamos por comer e se desperdiça) são a maior origem da nossa pegada ambiental. Em Portugal são desperdiçados anualmente um milhão de toneladas de alimentos. Reduzir o desperdício alimentar é o passo mais relevante para a sustentabilidade ambiental, já que a produção agrícola e pecuária é uma das atividades com maior impacto ambiental e o desperdício alimentar gera 8% das emissões dos gases com efeito estufa em todo o mundo. Evitar o desperdício alimentar é uma luta diária que começa com as nossas escolhas enquanto consumidores. Comprar na quantidade certa, de produtores locais, de origem sustentável e saber aproveitar melhor tudo o que compramos são sem dúvida passos que todos podemos dar no sentido de levarmos uma vida mais sustentável.
Sei que conhece bem as Linhas de Torres Vedras, onde há 210 anos a natureza esteve ao serviço da defesa do país. Os fortes então construídos para a defesa de Lisboa são hoje património nacional. Trata-se de um património maioritariamente inserido em espaço natural. Como acha que podem contribuir para a sensibilização de que é preciso preservar os ecossistemas e de que é possível utilizar a natureza e o património em equilíbrio com o lazer?
Gosto muito de viajar, já fui a vários países em diversos continentes e quando regresso a casa tenho sempre a mesma sensação: Portugal tem muito património natural e histórico altamente subaproveitado. Acho que esse é um trabalho que começa em casa, o de aprendermos a valorizar o que é nosso, a nossa história e a Natureza que nos rodeia. E depois disso temos que ter as estruturas do Estado orientadas para este caminho também, as escolas, as iniciativas culturais, as políticas locais. Tem de ser um esforço conjunto para passarmos a dar mais valor àquilo que temos.
O que é que cada um de nós pode fazer de prático e imediato no seu dia-a-dia para contribuir para alcançar o “desperdício zero”?
O desperdício zero é um objetivo um bocadinho utópico, é impossível vivermos uma vida sem criarmos lixo nenhum. E se criarmos essa expetativa rapidamente vamos sentir-nos frustrados e desmotivados. Em vez disso podemos (e devemos) criar metas mais pequenas e exequíveis, porque todas elas têm impacto. Por exemplo recusar sacos e recipientes descartáveis/de utilização única, planear melhor as nossas compras e refeições para evitar o desperdício alimentar, optar por produtos mais amigos do ambiente e a granel e, acima de tudo, dar uso àquilo que já temos (reutilizar) em vez de comprarmos novo.
Sendo uma pessoa cheia de dinamismo, não receia novos desafios. Fale-nos um pouco deste novo serviço de “cozinha ao domicílio”.
O Cozinha ao Domicílio é um projeto novo mas que já está a ter uma aceitação muito boa. Este serviço entrega ao domicílio as refeições da semana (todas ou parte) prontas a comer, para que as pessoas não tenham de se preocupar com isso. Nos meus workshops sempre senti que as pessoas adoram aprender e pôr em prática as receitas mas queixam-se todas do mesmo: falta-lhes tempo para dedicar à cozinha como gostariam. E isto, muitas vezes impede-as de ter uma alimentação mais equilibrada. Chegam a casa cansadas, depois de um dia de trabalho, sem disponibilidade mental para pensar em grandes ementas e as opções mais imediatas normalmente não são as mais saudáveis. Este serviço vem dar resposta a essa necessidade, todas as semanas existe um menu diferente e as pessoas podem encomendar 3 ou 5 refeições para 2 ou 4 pessoas. O menu é plant based e pode ser ajustado às preferências de cada pessoa (por exemplo, no caso de não gostar ou ser intolerante a algum ingrediente). Este serviço acaba por ser uma materialização do conteúdo do meu site e da minha visão da alimentação e estou muito satisfeita não só por ter dado este passo como pela aceitação que está a ter.
Sabemos que presta outros serviços como showcookings, workshops, consultadoria de receitas e catering. Como é que isso funciona e como se pode contactá-la?
Sim, aliás esses são os focos principais do meu trabalho. Desenvolvo workshops e showcookings para particulares e empresas, tenho tido muitas solicitações para iniciativas destas online, devido à pandemia, e têm corrido muito bem. Noto que as empresas estão a apostar cada vez mais em temáticas relacionadas com a sustentabilidade e com a importância de uma alimentação equilibrada para os seus colaboradores. Desenvolvo ainda consultoria para restaurantes, cafés ou outros estabelecimentos que pretendem incluir nas suas ementas opções mais saudáveis e/ou vegetarianas. Neste caso, a consultoria pode passar apenas por uma revisão da própria ementa ou, então, a criação de receitas exclusivas para aquele Cliente e respetiva formação do staff de cozinha. Pontualmente desenvolvo ainda conteúdos e receitas para marcas e hipermercados e ainda alguns caterings ou serviço de chefe privado para eventos selecionados. A melhor forma de me contactar para estas ou outras iniciativas é através do meu site.