Quem se detenha, a partir do rio Tejo ou da vila de Alhandra, na paisagem de cumeada onde se localizam ainda hoje algumas das fortificações do arranque da primeira das Linhas defensivas de Torres Vedras, consegue avistar no alto da serra a imponente coluna de mármore rosa que sustenta a escultura do guerreiro Hércules, partes integrantes do Monumento Comemorativo das Linhas de Torres Vedras, incluído no conjunto classificado em 2019 como Monumento Nacional.
Implantado num observatório de paisagem por excelência sobre a vila de Alhandra e com vista privilegiada para o rio Tejo e para as lezírias de Vila Franca de Xira, constitui um admirável local de visita à região das Linhas de Torres neste concelho. O local faz parte do itinerário do percurso temático “A Defesa do Tejo”, que consta do Roteiro da Rota Histórica das Linhas de Torres e está dotado de sinalética informativa da Rota Histórica das Linhas de Torres abordando a história do monumento, mas também a defesa do Tejo na sua relação com as Linhas de Torres e os combates e movimentações das tropas por ocasião da Terceira Invasão Francesa.
Ao procurarmos traçar a cronologia do monumento, identificamos logo no início de todo o processo - que remonta ao princípio da segunda metade do século XX - a figura de Joaquim da Costa Cascais, então tenente-coronel de Artilharia, que havia sido incumbido de escrever sobre a história da Guerra Peninsular. Surge-lhe deste modo a ideia de materializar a comemoração dos feitos deste acontecimento, transmitida ao Marquês de Sá da Bandeira, à época Ministro da Guerra, e propondo, logo numa primeira instância, a edificação de um monumento no Buçaco, recordando a batalha que ali ocorrera a 27 de setembro de 1807, no contexto da Terceira Invasão Francesa ao território nacional.
Ao propósito de Costa Cascais alia-se a vontade do próprio Sá da Bandeira na construção de um monumento perto de Alhandra, com referência às Linhas de Torres Vedras, antes ainda da edificação do Monumento do Buçaco.
Joaquim da Costa Cascais é, assim, encarregue de formar o projeto para um monumento a ser levantado próximo da vila de Alhandra, de forma a comemorar a defesa das Linhas de Torres Vedras, devendo para o efeito ser aproveitado um fuste de coluna existente em Pêro Pinheiro.
O projeto para o Monumento de Alhandra é apresentado através de ofício de 3 agosto de 1874, acompanhado de desenho e respetiva orçamentação (no valor de 10.700$000), e seria aprovado no final daquele mês.
O fuste de coluna começaria por ser removido de Pêro Pinheiro e transportado até à estação de caminhos de ferro de Lisboa. O conto de réis que Costa Cascais havia orçamentado para a viagem deste elemento pétreo até ao local destinado à sua implantação viria a revelar-se insuficiente, logo à chegada a Alhandra, no mês de Dezembro, uma vez que ainda faltava contabilizar custos com o aluguer dos carros e juntas de bois.
A documentação da época dá igualmente conta da ocorrência de um temporal, em fevereiro de 1876, que causa grande estrago na estrada destinada ao transporte da coluna entre a estação de Alhandra e o local de implantação no mesmo (Forte da Boavista, obra militar n.º 3). Esta via, concluída em julho de 1883, a par com o monumento e os quartéis, é descrita como tendo 700 metros de comprimento por 12 de largo, bordada por 314 oliveiras.
Em março de 1879, a Comissão de Defesa de Lisboa e seu Porto produz uma planta a cores do monumento e terrenos circundantes, e dá conta que à época já não restavam quaisquer vestígios do Forte da Boavista.
Por ocasião do Centenário das Linhas de Torres Vedras, viriam a ser colocadas na base duas placas de homenagem a José Maria das Neves Costa e a Richard Fletcher. Ao primeiro se devem os trabalhos topográficos e cartográficos do território a norte de Lisboa, onde mais tarde o duque de Wellington viria a perceber tratar-se do local ideal para a implantação das Linhas de Torres Vedras. Fletcher, por sua vez, era o britânico que Wellington encarregaria de dirigir os trabalhos de construção daquele sistema militar defensivo.
Aquando das Evocações do Bicentenário das Linhas de Torres Vedras, o Município de Vila Franca de Xira colocaria, junto das placas de 1911, uma terceira dedicada ao esforço do povo português na construção das Linhas.
Observamos uma coluna de quase oito metros de altura, sobre pedestal, coroada pela estátua de um Hércules da autoria do escultor Simões de Almeida, um dos primeiros estatuários da época. Simões de Almeida ficaria incumbido da obra – para a qual forneceria a própria pedra - pela quantia de 1:000$000 réis, a ser paga em três prestações e executada em 18 meses.
A escultura – com cerca de dois metros e pesando mais de vinte e quatro toneladas – apresenta características das obras clássicas, lembrando a Joaquim da Costa Cascais o Hércules de Farnese.
Estamos pois perante uma figura cujo tratamento escultórico retrata um herói robusto, de figura musculada, ostentando, à imagem do Hércules da Antiguidade Clássica, três dos seus principais atributos: a barba, a clava e a pele do Leão de Nemeia - o primeiro dos seus Doze Trabalhos – que passou a usar como um troféu.
Ao fuste de coluna – proveniente de Pêro Pinheiro e aproveitado certamente de alguma outra encomenda inacabada – Costa Cascais decide acrescentar capitel e coluna da ordem dórica. O autor concebe no projeto um pedestal onde a coluna deve assentar, levantado sobre dois degraus, de forma a dar maior altura ao todo.
Mantendo ainda a perspetiva simbólica deste monumento, torna-se fundamental a menção à escolha da legenda do monumento: Nec Plus Ultra – 1810 – Linhas de Torres Vedras.
Nec Plus Ultra, entendido aqui como “Não Mais Além”, determina e assinala o local do monumento, no arranque da primeira das Linhas de Defesa de Torres Vedras – em representação de toda a barreira que as mesmas vieram a constituir – e que se veio a revelar intransponível para as tropas francesas comandadas pelo general Massena aquando da Terceira Invasão Francesa, entre outubro e novembro de 1810.
A ideia de se coroar o todo architectonico com uma escultura da figura mitológica de Hércules – que considera “digna, sem dúvida de figurar em um Monumento Nacional, e própria para desenvolver o genio do artista” - tem aqui uma clara relação com uma das colunas que a Antiguidade narrou sobre aquele herói da Antiguidade, procurando neste caso específico simbolizar “a força e coragem dos exercitos alliados, detendo nas Linhas de Torres Vedras as numerosas e aguerridas falanges de Napoleão 1º”.
Joaquim da Costa Cascais sintetizaria assim os diversos aspetos simbólicos que presidem a todo o Monumento das Linhas de Torres Vedras e que o tornam não só uma obra artística indiscutível, mas sobretudo, assinalam a merecida homenagem a um dos mais eficientes sistemas militares defensivos da História europeia e de todos os que contribuíram de alguma forma para a sua existência.