Clive Gilbert licenciou-se em Cerâmica no Reino Unido e trabalhou na Fábrica da Loiça de Sacavém, tornando-se seu administrador em 1970. Especialista em História Militar e conferencista, escreveu vários artigos sobre as Linhas de Torres Vedras e a Guerra Peninsular. Foi presidente da British Historical Society of Portugal e guia na produção “The Iron Duke”, da BBC. Foi galardoado, em 2017, com a distinção “Member of the Most Excellent Order of the British Empire”.
Conversámos com Clive Gilbert sobre o papel das Linhas de Torres Vedras na relação histórica e cultural entre o Reino Unido e Portugal.
Como é que um especialista em cerâmica se começa a interessar pelo tema da Guerra Peninsular e pelas Invasões Francesas de Portugal?
O meu interesse inicial pela Guerra Peninsular deveu-se inicialmente às estatuetas militares de vários regimentos e nacionalidades da época produzidas na cerâmica da família onde trabalhei.
Até que ponto considera este acontecimento histórico e as Linhas de defesa de Lisboa, construídas por britânicos e portugueses, um elemento de ligação histórica e cultural entre estes dois países?
Considero que a Aliança Histórica e os interesses económicos/políticos partilhados entre a Grã-Bretanha e Portugal, aliados à liderança visionária de Wellington e à tenacidade das tropas portuguesas/resistência local foram as características essenciais que contribuíram para o êxito do resultado.
The British Historical Society of Portugal tem desenvolvido um trabalho consistente sobre a Guerra Peninsular em Portugal, tornando-se numa referência sobre o tema, produzindo e partilhando conhecimento através dos seus conferencistas e guias, especialistas em história militar. Qual o objetivo que presidiu à sua criação?
A British Historical Society of Portugal (BHS) foi originalmente criada em 1974 para promover “o estudo, conservação e publicação de documentos sobre a história comum de Portugal e da Grã-Bretanha e sua difusão, bem como a organização de palestras, visitas e apoio a instituições histórico-culturais, portuguesas ou britânicas”.
Acompanhou Robert Bremner naquela que ainda é uma obra de referência para o estudo da terceira Invasão Francesa, “As Linhas de Torres Vedras”. Que contributo deu a publicação deste livro?
Robert Bremner, um bom amigo e especialista nas Invasões Francesas, cativou ainda mais o meu interesse organizando visitas guiadas ao longo das Linhas de Torres Vedras (LTV) e escrevendo extensivamente sobre o assunto. Ao aposentar-se, pouco antes de partir para Inglaterra, confiou-me toda a sua coleção, incluindo o livro sobre as Linhas (1986), que então, como membro da BHS, promovi amplamente em Portugal e no estrangeiro.
Na qualidade de representante da The British Historical Society of Portugal, integrou a delegação que apresentou na Comissão Europeia o projeto de recuperação, valorização e divulgação das Linhas de Torres Vedras e as Comemorações dos 200 anos da Guerra Peninsular. Como encarou esse desafio?
A Delegação Portuguesa, em representação dos 25 Municípios, durante a deslocação à União Europeia (Europe Direct, em 2013), da qual fiz parte, foi calorosamente recebida pelos seus anfitriões da UE. Eles ouviram atentamente as necessidades dos portugueses e informaram-nos sobre os métodos de trabalho da União Europeia, além de nos proporcionar uma visita guiada a Waterloo – uma experiência e tanto.
Em 2016, foi galardoado com a distinção Member of the Most Excellent Order of the British Empire (MBE) na Lista de Honras do Aniversário da Rainha Isabel II, por ser considerado “uma pedra angular nas relações anglo-portuguesas” e pelo seu longo trabalho e dedicação à promoção das Linhas de Torres Vedras. O que o continua a apaixonar nestas Linhas?
O Prémio MBE foi, naturalmente, uma grande honra para mim e para a minha família. Continuo fascinado pelas Linhas pela sua natureza única e pelas gratificantes relações anglo-portuguesas que daí se desenvolveram.
Como vê o património das Linhas de Torres Vedras hoje em dia?
Graças ao trabalho árduo de todos os intervenientes e, sobretudo, dos seis Municípios envolvidos nas Linhas, o património LTV continua não apenas a ser magnificamente preservado como também a constituir um admirável exemplo de restauro e informação. Aliás, em 2008, o PILT (Cooperação Intermunicipal das Linhas de Torres Vedras) foi elogiado pelo representante polaco que, num Seminário Internacional realizado em Arruda dos Vinhos, em 2008, disse “na Polónia tal trabalho de equipa não teria sido possível” . Atualmente já não existe o PILT, mas foi constituída uma associação para o desenvolvimento turístico e patrimonial das Linhas de Torres Vedras – Rota Histórica das Linhas de Torres, cuja missão é contribuir para o desenvolvimento sustentado do território das Linhas de Torres Vedras, através da salvaguarda, conservação e valorização do património das Linhas de Torres Vedras e da sua promoção como produto turístico e cultural.
Tem sido fundamental no contacto e colaboração com os municípios da Rota Histórica das Linhas de Torres. Como analisa o trabalho que estes municípios têm vindo a fazer nas últimas décadas?
Nas últimas duas décadas, assistiu-se a grandes progressos na promoção e recuperação destas linhas até então negligenciadas, nomeadamente com a criação de vários Centros de Interpretação, passeios organizados, projeções de filmes, brochuras e guias, melhoria das vias de acesso e reabilitação de monumentos. Tudo isto foi conseguido em parceria entre os seis municípios, recentemente rebatizados de RHLT (Rota Histórica das Linhas de Torres), acrescidos de generosas contribuições de doadores de entidades como o European Financial Grants Mechanism (Noruega, Islândia e Liechtenstein).
Considera que, atualmente, a comunidade está mais informada do significado das Linhas de Torres Vedras para a história de Portugal e da Europa?
Sim. Em geral, sinto que agora há uma consciência pública muito maior sobre as Linhas do que há 20 anos ou mais, graças ao esforço de equipa dos municípios, BHS e inúmeras outras entidades.
Como podem os Friends of the Lines of Torres Vedras contribuir para incentivar o interesse britânico pelas Linhas de Torres Vedras?
A Friends of the Lines (uma associação britânica) pode contribuir de várias formas: nomeadamente com a organização de visitas guiadas dirigidas ao público em geral e a escolas, tanto portuguesas como internacionais, assim como trabalhando com organizações como a Royal Engineers ( turismo militar) e representantes locais para promover a cooperação bilateral.