DEZEMBRO 2023 A JUNHO 2024

Mark S. Thompson

Mark S. Thompson é historiador militar e estudioso da Guerra Peninsular desde há cerca de 40 anos, tendo concluído em 2009 um doutoramento sobre o papel dos Royal Engineers naquele conflito, publicado com o título Wellington's Engineers. Publicou vários livros e artigos, participando frequentemente em conferências, tanto no Reino Unido como no estrangeiro. É membro da British Commission for Military History, das associações Friends of the Lines of Torres Vedras e Friends of the British Military Cemetery at Elvas, da Society for Army Historical Research, da Waterloo Association, da Napoleonic and Revolutionary War Graves Charity e da Royal Engineers Historical Society. Conversámos com Mark a propósito do seu mais recente livro, Wellington and the Lines of Torres Vedras: The defence of Portugal during the Peninsular War, 1807-1814.

Lendo o seu livro, percebe-se que o projeto das Linhas de Torres Vedras tinha tudo para dar errado. Porque é que foi bem-sucedido? Qual foi o momento e a circunstância em que se percebeu verdadeiramente que a sorte tinha sorrido aos Aliados? Por outras palavras, poderá o sucesso do exército Aliado e das Linhas de Torres Vedras ser atribuído a uma determinada decisão ou a um acontecimento específico?

A construção das Linhas começou em novembro de 1809. As ordens originais não descreviam em pormenor o desenho dos fortes. Wellington, tendo percorrido a área, identificou os locais que necessitavam de defesas e os oficiais engenheiros, examinando os locais, decidiram o que era necessário em cada posição. Wellington tinha vivido perto de Torres Vedras em 1808 e terá percorrido as colinas da região. Estou certo de que Wellington terá visto o relatório de Neves Costa, o que o terá ajudado a identificar os locais críticos.

Recorde-se que os trabalhos de construção originais foram executados rapidamente, sabendo Wellington que um rápido avanço francês poderia chegar à frente das Linhas já na primavera de 1810. Como agora sabemos, Wellington teve direito a mais seis meses, o que permitiu alargar e melhorar as defesas iniciais.

Houve ajustamentos ao plano original à medida que os engenheiros compreendiam o que podia ser conseguido, por exemplo, a decisão de abandonar a área em torno da Castanheira e deslocar as Linhas para Alhandra ou a de alargar as defesas em torno de São Julião.

Os oficiais e soldados franceses terão ficado desmoralizados quando viram as Linhas. Ambos esperavam mudar-se para confortáveis aquartelamentos de inverno em Lisboa.

Não estou certo de que tenha havido uma decisão específica que tenha sido crítica, foi a escala das obras que desanimou os franceses. Das suas posições, podiam ver as extensas defesas naquilo a que hoje chamamos a Primeira e a Segunda Linhas. Os franceses sabiam que iriam sofrer baixas terríveis ao atacar as Linhas e que, possivelmente, não teriam força suficiente para tomar e manter Lisboa.

Logo após a chegada dos franceses à frente das Linhas, registaram-se alguns ataques de sondagem, nomeadamente em Alhandra e no Sobral. A partir daí, os franceses instalaram-se num bloqueio e parecia não haver intenção de novos ataques às Linhas.

O momento em que Wellington se apercebeu de que as Linhas de Torres tinham funcionado terá sido na manhã de nevoeiro de 15 de novembro, quando foi noticiado que as tropas de Masséna tinham retirado, estabelecendo-se em redor de Santarém.

Para os que, como nós, se habituaram à comunicação instantânea de hoje, talvez seja difícil compreender como é que os exércitos podiam ser comandados com tanta falta de informação. É quase possível seguir o seu relato dos movimentos de Masséna como se de um livro policial se tratasse. O secretismo a que foi sujeita a construção das Linhas também parece hoje inacreditável. Na guerra como na sociedade civil, o que é que cria mais fake news: o excesso de informação ou a falta dela?

Mesmo no início do século XIX, os generais esperavam ter à disposição mapas dos países que estavam a invadir. Há muitas críticas à falta de mapas de Masséna, embora investigações recentes sugiram que ele tinha mapas melhores do que muitos historiadores sugerem. Um exército que avançasse para território inimigo teria normalmente enviado batedores. Devido à brutal guerra de guerrilha, os franceses não conseguiam fazer isso sem enviar grandes contingentes de homens. Com Masséna estavam oficiais portugueses que teriam algum conhecimento do país e também oficiais franceses que já ali haviam estado antes (por exemplo, Junot).

O secretismo da construção das Linhas é uma questão interessante. Há muitas informações que sugerem que não eram secretas. Muitos oficiais britânicos comentaram a construção das defesas. Masséna teve conhecimento dos trabalhos defensivos muito antes de chegar à frente das Linhas. Em ambos os casos, era a escala do trabalho que não era bem compreendida. Um oficial britânico que subisse o Tejo poderia ver as defesas à volta de Alhandra. Mas não saberia que havia uma linha de fortes que se estendia para oeste até ao Oceano Atlântico. Masséna acreditava que seria capaz de forçar a sua passagem através ou à volta das defesas.

A informação/desinformação era um problema tão grave na altura como hoje. Sem satélites, drones ou mapas, a informação chegava lentamente e era frequentemente baseada, mais do que em factos, na opinião de alguém. A habilidade estava em filtrar a informação para encontrar a verdade ou os factos. A falta de informação era sempre um problema, pois as pessoas tentavam preencher as lacunas com suposições. Era necessário conhecer a fonte da informação para poder decidir sobre a sua exatidão.

Nas Linhas de Torres Vedras, Wellington mandou construir um sistema de telégrafo para permitir uma comunicação rápida. Com informações atualizadas, ele podia deslocar rapidamente as suas tropas para onde fossem necessárias.

Kandinsky costumava dizer que "tudo começa com um ponto". Para Paul Klee, uma linha era "um ponto que foi dar uma volta". Não é difícil transpor esta ideia gráfica para as Linhas e os seus fortes, que estão no seu melhor quando, vistos do ar, assumem toda a beleza da sua geometria. Houve ali alguma paixão e criatividade, ou tratou-se apenas de seguir regras rígidas de forma pragmática? Um engenheiro militar via as Linhas de Torres Vedras de forma diferente dos demais? 

O acesso à informação aérea tem sido um grande impulso para os historiadores e arqueólogos. A informação aérea e por satélite permitiu-nos ver estruturas que não são visíveis a partir do solo. A tecnologia dos drones permitiu-nos chegar muito mais perto dos objetos. Atualmente, dispomos também de LIDAR e de radar de penetração no terreno que nos permitem ver o que está debaixo do solo. Por exemplo, utilizando o LIDAR, as trincheiras utilizadas no cerco de Ciudad Rodrigo em 1812 ainda são claramente visíveis.

O projeto das Linhas não pode verdadeiramente ser visto como uma obra de arte. Era muito mais prático do que isso. Um forte era colocado numa posição que impedia o acesso do inimigo a um ponto alto ou a uma rota através das Linhas. A sua estrutura era determinada pelo que era necessário defender e pela forma do terreno em que devia ser construído. 
Quando olhamos uma paisagem, vemos uma bonita colina, um rio ou um vale. Um engenheiro militar verá uma colina como um ponto alto para observação e para comandar o terreno mais baixo à sua volta. Um rio é uma barreira ou algo que precisa de ser atravessado por uma ponte ou um vau. Uma estrada ajuda ou, se for destruída, dificulta o movimento. Uma floresta é algo que esconde o movimento ou que deve ser removida para ajudar na observação. É uma visão muito sombria do campo.

Um forte esforço comunitário vem sendo feito, nos últimos anos, para preservar o que ainda existe e recuperar o que praticamente desaparecera das Linhas de Torres, desde as estruturas em pedra até às mais frágeis obras de terra. Ao mesmo tempo, uma vasta região do centro de Portugal faz das Linhas um eixo de identidade e um projeto de futuro. Há consciência, na Grã-Bretanha, dessa evolução?

O desafio para as Linhas de Torres reside no facto de os campos de batalha atraírem a maior parte da atenção dos interessados em história militar. Os cercos e as defesas são menos interessantes. Na Grã-Bretanha, o conhecimento sobre os desenvolvimentos nas Linhas e na Península Ibérica em geral é limitado. Grupos como os Friends of the Lines of Torres Vedras (Amigos das Linhas de Torres) têm como objetivo promover as Linhas e aqueles que cuidam delas. Nos últimos vinte anos, foram publicados em inglês vários livros sobre as Linhas de Torres (incluindo o meu) que também realçam a existência e a importância das Linhas.

Olhando para o futuro, precisamos de ver como podemos ajudar na promoção destes novos programas na Grã-Bretanha.

Estruturas precárias no terreno, construídas para durar enquanto as tropas de Masséna as cercassem - segundo o seu livro, muitas delas foram reforçadas com pedra apenas para resistir à violência do clima durante esse período - estão a ressurgir hoje, com um vigor que parece prometer durar pelo menos mais dois séculos. O que era temporário há duzentos anos tornou-se permanente. Isto surpreende-o?

Sim, surpreende. As obras de aterro, pela sua construção, são concebidas como estruturas temporárias. É espantoso pensar que, 200 anos depois, ainda podemos caminhar numa vala que esteve intocada durante tanto tempo. Espero que as novas tecnologias, como o LIDAR, encorajem mais trabalho para preservar o que ainda lá está, mas escondido. A premência é maior quando se pode ver.

Mesmo nos últimos anos, tenho visto provas de desmoronamento de muros, em fortes com manutenção, devido às condições climatéricas no inverno. Para durar mais 200 anos, será necessária uma manutenção contínua.

A preservação de muitos dos fortes deve-se provavelmente ao facto de se encontrarem em locais inacessíveis. Vivo perto da Muralha de Adriano, em Inglaterra, e muitas das pedras da muralha estão espalhadas por muitos quilómetros em todas as direcções para fazer muros agrícolas! Em Inglaterra, precisamos de manter as ovelhas nos campos. As oliveiras e as videiras não precisam de vedações!

E surpreenderia Wellington?

Sim, penso que sim. As defesas nunca foram concebidas para durar mais do que a sua necessidade. Os fortes exigiram uma manutenção constante de 1810 a 1814 e estou certo de que se terão degradado rapidamente após a guerra. Os fortes terão deixado a memória de Wellington muito antes de desaparecerem no terreno.

Ainda há muito para descobrir sobre as Linhas de Torres?

Certamente que sim. Na minha última visita, em 2022, passei algum tempo a tentar visitar alguns fortes mais remotos (por exemplo, os fortes 76, 78 e 80). Em muitos casos, falhei. Penso que ainda há oportunidades para limpar e inspecionar alguns destes sítios. Há alguns em que é difícil aceder devido ao estado das estradas (por exemplo, os fortes 9, 12 e 13). Atualmente, a maior ameaça são as empresas ou a indústria que danificam os sítios, sem se aperceberem ou se preocuparem com a sua importância histórica. 

Os comentários acima não pretendem criticar o trabalho extraordinário efetuado pelas autarquias locais, os CILT e os seus antecessores. Desde a minha primeira visita, há vinte anos, registou-se uma melhoria inacreditável no cuidado e no acesso aos locais das Linhas de Torres. Os muitos Centros de Interpretação espalhados pelas Linhas permitem compreender este vasto projeto. Portugal deve estar orgulhoso do que conseguiu.

Arthur Wellesley, Duque de Wellington. Gravura de William Say, 1814,
baseada em original de Thomas Phillips
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