Nos anais nómadas da nossa história coletiva, a arte da vinicultura surgiu como um emissário subtil de instintos civilizadores. Errantes que éramos na antiguidade, encontrámos uma profunda ligação ao solo através da cultura meticulosa do vinho: ao contrário do ciclo dos cereais, cujas sementeiras e colheitas anuais não exigiam morada fixa, as vinhas impunham fidelidade a um lugar e reclamavam a nossa atenção durante todo o ano.
Com escrupulosa devoção, cuidámos das uvas, sabendo que a alquimia da transformação estava na sua essência. Na reverência silente das mentes antigas, o processo de vinificação desenrolava-se como um espetáculo oculto e sublime. Não surpreende que estas transições alquímicas, impercetíveis a olho nu e fonte permanente de assombro e admiração, tenham levado os antigos a elevar o vinho ao altar do sagrado.
O vinho tornou-se símbolo e alegoria, uma libação que transcendia o material para incorporar a essência espiritual da nossa existência comunitária, marcando as horas, os dias, as semanas e os meses de um calendário que lhe passou a estar subordinado. É destas horas, dias, semanas e meses que lhe fala o Museu do Vinho e da Vinha: as horas, os dias, as semanas e os meses dos homens e mulheres que se fixaram neste lugar e, fiéis ao solo e à essência milenar das uvas que aqui medravam, fizeram seu o nome de Bucelas.
Assim envolto nos tecidos da tradição local, o museu apresenta-se como um organismo vibrante, guardião dos esforços, narrativas e memórias que unem a comunidade, a terra e o património. A sua bússola rege-se pelos vinhos emblemáticos do território de Bucelas, tornando-o, não um simples repositório de informação avulsa, mas uma crónica pulsante da existência coletiva, com todas as suas dificuldades, alegrias e retribuições.
Instalado num edifício cuja história se funde com a tradição vitivinícola local, o museu apresenta dois espaços expositivos distintos. A exposição permanente põe em relevo o intrincado bailado da labuta da vinha e os venerandos rituais do artesanato vinícola, convidando quem o visita a mergulhar no âmago destas tradições. No mezanino, dedicado a exposições temporárias, elabora-se discursos expositivos consistentemente ligados ao tema do vinho.
A narrativa do Museu do Vinho e da Vinha não se esgota, porém, no visual. Uma loja acena-lhe com tentações vínicas, oficinas têm aqui regularmente lugar e um manancial de conhecimento reside no Centro de Documentação, cuja atividade constitui, em si mesma, uma homenagem ao vinho, à vinha, ao território vinícola de Bucelas e às gentes que hoje, como ontem, o habitam. Por fim, um Centro de Interpretação mergulha nos anais da Guerra Peninsular, um interlúdio histórico enleado no tecido da própria terra.
O Museu do Vinho e da Vinha dá vida ao centro de Bucelas, convidando todos, incluindo os que possuem mobilidade reduzida, a participar da história da região, do seu povo, do seu vinho e das tradições que uns e outros fizeram nascer.
Instalado no interior do edifício do Museu do Vinho e da Vinha, O Centro de Interpretação da Rota Histórica das Linhas de Torres – Bucelas é um equipamento municipal dedicado à exploração imersiva da Guerra Peninsular. Aqui, por entre os ecos da História, procura-se acender uma chama de entendimento interativa, numa homenagem ao espírito de defesa que há duzentos anos animou todo um povo. Irremediavelmente envolvidas numa trama de guerra tecida pelas potências europeias de então, as populações ergueram, sob orientação e comando Aliado, uma formidável rede de fortificações militares, gravando na sua memória coletiva o testemunho da determinação comum que então defendeu e salvou a cidade de Lisboa.
A visita a este espaço é um convite a desvendar os meandros das Linhas de Defesa de Lisboa, popularmente conhecidas como Linhas de Torres. Aqui encontra histórias de habitantes locais que empreenderam a árdua tarefa de construção de fortificações de campo. No meio destes esforços, a necessidade de sustentar as tropas com fornecimentos essenciais - quer se tratasse de alimentos, de vias militares ou da orquestração diária dos esforços de guerra - narra uma saga sem precedentes na região e no país. É uma ode ao esforço logístico que, em face da invasão iminente, alimentou a máquina militar do exército luso-britânico. Neste refúgio de contemplação histórica, os visitantes não são meros espectadores: são participantes no legado vivo de uma era passada.