JULHO A NOVEMBRO 2023
Ana Catarina Sousa

Arqueóloga, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Quel diable! Wellington n’a pas construit ces montagnes!”: da Idade do Cobre à Guerra Peninsular no Castelo / Passo (Arruda dos Vinhos)

A citação em epígrafe, atribuída pelo general Pamplona ao marechal Masséna quando este se terá deparado com as Linhas de Torres Vedras, aplica-se naturalmente ao conjunto, mas vinha-nos diariamente à memória quando subíamos a pé o ingreme caminho que nos levava à obra militar N.º 12 para aí realizar trabalhos arqueológicos.

Localizada junto ao Rio Grande da Pipa, a 280 m de altitude, a obra N.º 12 situa-se na extrema de uma crista de elevações, controlando eixos de circulação e posicionando-se entre o forte do Moinho do Céu e o forte da Caneira. A designação “Forte do Passo” remete, naturalmente, para o seu papel de controlo da passagem, mas, com o tempo, de Passo o topónimo passou para Paço, hoje designando o pequeno aglomerado populacional situado na sua base, atual concelho de Sobral de Monte Agraço.

Mas, tal como alegadamente dizia o Marechal Masséna, o fator determinante para o sucesso das Linhas de Torres era o relevo acidentado da Península de Lisboa e a escolha de pontos estratégicos para controlo dos eixos de circulação.

Quando pensamos no tempo longo, de milhares de anos, os contextos sociopolíticos alteram-se, mas a paisagem sempre foi determinante nas pautas de implantação dos grupos humanos, e o sítio do Castelo / Passo em Arruda dos Vinhos é um dos mais eloquentes exemplos nesta perspetiva. Efetivamente, o local onde foi construído a obra n.º 12 foi ocupado sucessivamente nos últimos 5000 anos sempre com funções de controlo territorial em diferentes períodos cronológicos: Calcolítico, período Romano e finalmente na Guerra Peninsular, uma sucessão única no contexto das Linhas de Torres.

O projeto da RHLT evidenciou a importância da abordagem arqueológica neste património. Com as primeiras escavações arqueológicas realizadas entre 2008 e 2011 pudemos melhor compreender não apenas os elementos arquitetónicos ocultos pelos processos de erosão mas também a caracterização dos processos construtivos e a biografia destes locais, por vezes com ocupações anteriores e posteriores. No sítio do Castelo / Forte do Passo já havia uma longa série de campanhas arqueológicas. Identificado em 1987, este sítio foi alvo das primeiras campanhas arqueológicas sob direcção de Ludgero Gonçalves (1988-1997) e Guilherme Cardoso (1998-1999). Estas campanhas foram direccionadas para os períodos Calcolítico e Romano, mas pouco se sabia da fortificação oitocentista.

Existindo ainda muitas lacunas de informação, o município de Arruda dos Vinhos promoveu uma nova fase de pesquisa través de novas metodologias (levantamentos LiDAR, modelos digitais de terreno, estudos geoarqueológicos) e da realização de sondagens diagnóstico que permitam um melhor conhecimento do sítio e a planificação de futuras acções de valorização.

As campanhas arqueológicas realizadas em 2021-2022 decorreram com a parceria da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa) sob direcção de Ana Catarina Sousa (UNIARQ), Jorge Lopes (Município de Arruda dos Vinhos) e André Texugo (UNIARQ). O estudo conta com a consultoria do Coronel Eng. José Paulo Berger, pelos Professores Gonçalo Vieira (Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, teledetecção) e João C. Duarte (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Geologia) e do geoarqueólogo Maurizio Zambaldi (UNIARQ).

As novas campanhas e a reavaliação dos dados recuperados em trabalhos prévios permitem já ter uma imagem mais nítida sobre a história do sítio: 

  No Calcolítico (3º milénio a.C.) o sítio foi ocupado por uma comunidade agro-pastoril. Estão documentadas estruturas de fortificação, nomeadamente uma torre identificada na década de 90. Em 2022 foram identificados vestígios de uma outra estrutura similar muito destruída. As arquitecturas que poderiam ter configurado um recinto calcolítico fortificado foram muito afectadas pelas ocupações históricas.

   A ocupação do período romano está patente na abundante cultura material que indica uma cronologia da transição meados século II / I a.C. Até ao momento não se encontraram estruturas significativas mas o tipo de implantação, a cultura material e a cronologia recuada poderia também indicar uma ocupação relacionada com a fase de conquista romana.

   No âmbito da Guerra Peninsular, foi edificado um reduto que alterou completamente o relevo do sítio, afectando as ocupações mais antigas. Com a recente campanha realizada foi possível identificar a bateria ou barbete (onde era posicionada a artilharia) constituída por um talude de muralha exterior e um aterro interno. Foi também detectado parte do paiol, estrutura robusta que pode ter reaproveitado uma construção mais antiga.

Depois da extensa limpeza do coberto vegetal e das duas campanhas arqueológicas sabemos hoje mais sobre os três momentos em que o sítio do Castelo foi ocupado, com longos períodos de abandono. Os resultados dos trabalhos têm sido já partilhados com a comunidade com visitas e palestras e os visitantes dispõem já de sinalética explicativa no âmbito da Rota Histórica das Linhas de Torres.

Mas depois de muitas subidas ao Castelo, sabemos que ainda teremos de voltar para melhor conhecer a longa história deste sítio.

Mais informação sobre
o Forte do Paço: 
(+351) 263 977 035
Web
E-mail
   ARTIGO ANTERIOR