DEZEMBRO 2020 A JUNHO 2021
Fotos: Associação 13 de Setembro de 1913

ASSOCIAÇÃO 13 DE SETEMBRO DE 1913

Recriando as Linhas

A Rota Histórica das Linhas de Torres está profundamente reconhecida pelo trabalho realizado pela Associação 13 de setembro de 1913, nomeadamente pelos seus grupos de recriação histórica, “Guerrilha de Montagraço” e “Companhia de Artilharia de Sobral”, únicos em todo o território das Linhas de Torres Vedras, assim como no país, e que tão bem representam o impacto das Invasões Francesas em Portugal.

Constituída legalmente em abril de 1999, a Associação de Cultura e Recreio 13 de setembro de 1913 tem vários anos de trabalho dedicados à cultura. Na sua raiz estão as inúmeras Comissões de Festa que, durante mais de cem anos, organizaram as Festas e Feira de Verão de Sobral de Monte Agraço. Por isso, o nome da associação inspirou-se na data da realização das primeiras Festas – 13 de setembro de 1913 – a partir da qual vem construindo a sua identidade.

Durante várias décadas, a preparação da festa absorvia a maior parte da ação desenvolvida pela associação. A organização de uma semana de atividades culturais e recreativas, traduzida em dezenas de eventos que procuravam um equilíbrio entre tradição e inovação, ocupava a maior parte do seu tempo. Além da organização e planeamento, muitas atividades eram também asseguradas diretamente pela própria associação: entre elas, a decoração da Rua da Liberdade com flores de papel, os quadros cénicos e carros alegóricos do cortejo histórico e etnográfico pelas ruas da vila, o Livro das Festas e toda a logística que uma organização desta envergadura exigia. 
As Festas de Sobral de Monte Agraço eram apoiadas pelas autarquias locais e por centenas de voluntários que ajudaram durante a sua longa existência. Porém, no final de 2014, o município de Sobral de Monte Agraço chamou a si a organização das festas do concelho. Sem o seu grande projeto anual, a associação teve de reencontrar-se com as suas memórias e reinventar-se. Mantendo o grupo de teatro amador TrezEATRO, a associação despertou para novos projetos. O primeiro a nascer foi um grupo de percussão tradicional chamado A Treze a Rufar. O projeto possibilita a aprendizagem gratuita dos instrumentos do bombo e da caixa. Atualmente, o grupo é composto por 20 jovens adultos e participa em várias atividades de animação e arruada.

No entanto, as atividades promovidas pela associação sempre refletiram a cultura e a identidade das gentes de Sobral de Monte Agraço e da região em que se inserem. Essa “marca genética” não foi perdida com o projeto de criação de um grupo de recriação histórica que representasse o contributo da ação do povo, tantas vezes esquecido, para a derrota das tropas napoleónicas, durante a terceira invasão francesa. A ideia ganhou forma com base numa atividade organizada por ocasião do bicentenário das Linhas de Torres (2010), quando a associação organizou um desfile e combate que contou com a participação de recriadores espanhóis, vindos de La Albuera, Arroyomolinos e de Bailén, e com o grupo de recriação português Magotes de Santo Antão.

Tendo em conta o papel desempenhado por Sobral de Monte Agraço e pelo grande entrincheiramento do Alqueidão na defesa de Lisboa, durante a terceira invasão, e o seu contributo para a derrota do marechal Massena frente às Linhas de Torres, deu-se início à constituição do grupo de recriação histórica Guerrilha de Montagraço.

Após uma profunda pesquisa de dados e análise das fontes produzidas na época por ambos os lados do conflito, tornou-se evidente a enorme, e por vezes decisiva, importância da ação do povo no desfecho da Guerra Peninsular.

O terror espalhado pelas tropas francesas e a devastadora política de “terra queimada”, imposta por Wellington ao povo português, trouxeram consigo um imenso sofrimento e privação que castigou a população que, desde Leiria até à frente das Linhas, fugia, num enorme êxodo, para o interior das linhas defensivas e para Lisboa, procurando a proteção do Exército Anglo-Luso.

Ainda que não dependessem exclusivamente dos militares e das suas ordens, as milícias e guerrilhas agiam em coordenação com aqueles, para proveito de ambos. O povo, que detinha o profundo e natural conhecimento do terreno donde resultava uma enorme e eficaz mobilidade, agia de surpresa, através de emboscadas, sobretudo à retaguarda das tropas invasoras. Fazia prisioneiros, sabotava caminhos e pontes e envenenava fontes e poços de água potável, sendo apelidados de “multiplicadores de forças”. Ora, são estas ações que a Guerrilha de Montagraço passou a representar.

O estudo e a pesquisa trouxeram à associação a segurança necessária para recriar historicamente e o mais fielmente possível um grupo de guerrilheiros. O traje da guerrilha testemunha esse trabalho. É feito em tecido de surrobeco, feltros de lã, burel, algodão e serapilheiras e as suas cores foram integralmente respeitadas, não existindo nelas desenhos ou estampagens. As “guerrilheiras” usam blusa de pano-cru, corpete de tecido com atilhos de couro, de cor igual a uma das saias, saiote branco, saia de trabalho e saia de sair aconchegadas com cinta, e/ou cinto de cabedal, tendo as barras das saias as cores trocadas. As meias são brancas, de algodão ou linha e os sapatos ou botas são de couro. Na cabeça usam lenços de cor e, algumas delas, por cima do lenço usam chapéus de palha ou carapuças saloias. Já os “guerrilheiros” vestem camisa de pano-cru, muito comprida, apertada com atilhos de couro e uma jaqueta. Na parte inferior usam calção de alçapão, ligeiramente abaixo do joelho, deixando aparecer o folho das ceroulas, também de pano-cru, cinta e meia branca de algodão ou linha. Calçam sapatos ou botas, sem ou com cano alto, de couro de ensebar, atados com correias de couro. Cobrem a cabeça com chapéus de aba larga ou barrete.

O povo, regra geral, não tinha à disposição armas de fogo, socorrendo-se do que “estava à mão”, ou seja, de ferramentas e das alfaias agrícolas com que trabalhava a terra, bem como armas de ocasião, tais como chuços, piques, foices roçadoras, de vários tipos e tamanhos, gadanhas, forcados, forquilhas e varapaus.

O grupo de guerrilheiros utiliza, para uso pessoal ou do grupo, vários objetos do quotidiano, como cestos ou cabazes de vime, sacolas de serapilheira ou pano-cru, púcaros de barro, cabaças e chifres para transporte de líquidos e facas ou canivetes de ferro com cabo de madeira, corno ou osso. Nas diversas ataduras usa-se somente cordoaria de sisal, estopa ou tiras de couro.

A guerrilha recria, ainda, o modo de vida do povo no acampamento, que monta em varas de madeira e pano-cru, com uma mesa de madeira e bancos feitos de troncos de árvore ou fardos de palha. No acampamento, cozinham a “sopa de sustança” na panela de ferro de três pés e as filós são fritas em azeite, em lume de lenha. A acompanhar a refeição serve-se o vinho da região.

No decorrer das diversas recriações em que têm participado, quer em Portugal quer Espanha, surgiu a vontade de complementar com um grupo militar a recriação histórica do período das guerras napoleónicas na Península Ibérica. É desta forma que nasce, em 2018, a Companhia de Artilharia de Sobral, tendo por base histórica os documentos em que é citada a ordem de formação de duas Companhias de Ordenanças de Artilharia do Sobral, por William Beresford, Comandante Supremo do Exército Português.

Simultaneamente, o recém-criado grupo foi aceite pela Associação Napoleónica Portuguesa (ANP), como membro efetivo e em cumprimento das suas normas todos os recreadores fizeram a sua formação na Escola do Soldado, sendo a sua ação acompanhada, ao longo de um ano, pelos responsáveis de artilharia dos grupos da ANP até serem dados como aptos para manuseamento das peças de artilharia, enquanto grupo autónomo. A formação prática dos artilheiros foi feita com a colaboração do Grupo de Recreação Histórica do Município de Almeida, proprietários das peças de artilharia usadas para aprendizagem. Atualmente, todos os elementos do grupo são possuidores da licença de uso e porte de arma da classe F e executam os movimentos de ordem unida da época.

Em 2019, através de uma parceria estabelecida entre o município de Sobral de Monte Agraço e a Associação 13 de Setembro de 1913, foi adquirida a tão desejada peça de artilharia. O município fez a aquisição de um canhão, em aço CrNi maquinado com aplicação de golfinhos, cartelas e cartuchos de D. Maria I. Dois dos artilheiros da Companhia de Artilharia de Sobral executaram o reparo de campo (feito em madeira, com rodas de carroça, ferragens em ferro, pintado de cinzento-rato e ferragens pretas), bem como as palamentas e a caixa da pólvora.

A farda dos Artilheiros de Sobral é constituída por camisa e colete brancos, calças com alçapão e dólman em serrobeco castanho mel, com canhões e gola pretos debruados a vermelho. Na frente do dólman e nas mangas estão colocados botões em latão dourado. Da farda fazem, ainda, parte o pescocinho e plainas em tecido preto. Calçam sapatos ou botas em couro preto. A cabeça é coberta pelo boné de “polícia”, em serrobeco castanho mel, com risca vermelha e borla em lã castanha e vermelha ou pelo modelo português da barretina, em feltro preto, alta, 

e com aplicação de granada em latão amarelo na parte frontal. Os artilheiros usam bornal em pano-cru, onde transportam as provisões e possuem, para defesa pessoal, terçados.

No presente ano, o grupo foi enriquecido com mais dois recriadores e adquiriu a bandeira da Companhia de Artilharia de Sobral (CAS). A bandeira tem como base a bandeira original do Regimento de Infantaria 24, da coleção de Pedro Soares Branco No listel branco está escrito COMPANHIA DE ARTILHARIA SOBRAL DE MONTE AGRAÇO e os cantos têm bordado JPR (João, Príncipe Regente). Foi, também, possível a compra de três espingardas Brown Bess, originais, que serão usadas pelos artilheiros que acompanham a peça de artilharia. Não fazem parte da guarnição e sua a função é a de guarda à peça de artilharia.

Neste momento, os grupos de recriação histórica da Associação 13 de Setembro de 1913 são formados por cerca de 50 elementos, civis e militares, com idades compreendidas entre os 5 e os 85 anos de idade.

Os grupos têm participado em diversos eventos da Rota Histórica das Linhas de Torres, nomeadamente nas Comemorações do Dia Nacional das Linhas de Torres em Sobral de Monte Agraço, com especial envolvência na recriação histórica “Crónica de uma quase batalha”, que decorreu no Forte do Alqueidão, em 2018. Têm feito recriações em todo o território nacional, por exemplo no Festival Novas Invasões (Torres Vedras), na Festa do Vinho (Bucelas), na Batalha do Vimeiro (Lourinhã), bem como a do Cerco da Praça de Almeida (Almeida), a do Combate do Casal Novo (Condeixa) e no Mercado Oitocentista (Bombarral). Em Espanha já participaram nas recreações de La Albuera, Cidade Rodrigo, Arroyomolinos e Astorga.

A associação tem o desejo de que cada vez mais pessoas se interessem pelo tema da recriação histórica e se juntem aos seus grupos para que, dessa forma, possa reforçar a sua missão de divulgar uma das épocas mais conturbadas e determinantes da história de Portugal - um período em que, ao mesmo tempo que Portugal lutava para manter a sua independência, contribuiu decisivamente pra o início da queda do império de Napoleão.

   ARTIGO ANTERIOR
PRÓXIMO ARTIGO