Num tempo marcado por conflitos que nos mostram a face mais brutal da humanidade, a utilização da palavra INVASÃO, aplicada a um evento de artes e cultura, coloca-nos perante questões de complexa significação. Todas as guerras foram, são e serão trágicas. Convém por isso interrogar: poderá um gesto ínfimo de nomeação e batismo de um Festival: o FESTIVAL NOVAS INVASÕES — conter um modo de olhar a natureza do mundo e das coisas humanas que leve a uma equação da realidade comprometida com a sua atualidade, que não seja um advogar dos males da guerra, e uma invocação poética coletiva?
Entre o ofício das artes e os planos da guerra estabelecem-se pontes semânticas que têm a ver com o facto de o artista e o guerreiro se servirem mutuamente enquanto limites e processos de definição. O guerreiro procura um ideal longínquo que se situa para lá da razão. É um ideal que justifica a guerra e o extermínio do outro. É uma razão da sem razão que o leva a acreditar num futuro melhor e cheio de elementos que trazem o bem-estar e a propagação da vida enquanto tal. Seja mais paz, mais democracia, mais presença da fé e do divino. O artista evoca outros céus. A relação que se pode estabelecer entre o guerreiro e o santo e o artista são desde sempre cruzadas e até necessárias na sua coexistência. Estamos por assim dizer, nos limites da linguagem, onde o gesto enunciado se torna movimento e performance em direção ao desconhecido. Como nos diz o poeta: “O amor é um fogo que arde sem se ver”. Que contradição, que invasão do sentir. Que sensação mais terrível de invasão esta de que uma fogueira, um fogo que alastra dentro e ou fora de nós e que não o vendo, não o podendo localizar não se pode apagar e que inevitavelmente nos conduzirá às cinzas do ser.
Significa esta assunção de meios e sentidos que arvoramos para um nome de festival uma condição poética? Sim. Um festival é hoje um lugar de celebração do nosso tempo, das suas contradições, da limitada consciência do que somos e do mundo. Explorar a vida e torná-la um ato poético é propor-nos usar a cultura em toda a sua dimensão de diferença, de um ato social de informação coletiva. O que se arrola é uma proposição de viagem de onde se regresse inspirado, capaz de olhar o real como um poema. Entrar e sair do Festival Novas Invasões como se se fizesse uma viagem a um tempo estrangeiro, inspirado e capaz de limpar os olhos e o coração e fazer do quotidiano um poema jovial. Onde a alegria e a poesia se conjuguem para explanar de forma iniciática aquilo que faz parte da nossa história mais profunda.
Possamos, assim, vir aqui sem uma procura de ser exaustiva, nem de constituir tese definitiva acerca do que procuramos relevar. Apenas vimos procurar lançar mais clareza e luz sobre a escolha de um nome, que é sempre ambíguo em si mesmo por ser de um ser que se desdobra no campo do existir. Um nome que elegemos para batizar uma organização de cariz artístico e cultural: o Festival Novas Invasões. A relação entre a arte e o poder, ou a arte e a guerra, a arte como experiência que se assemelha a um campo de batalha ou a arte e o terror, sempre foram ambivalentes. O sentir e o sentido do que invocamos nesta invasão é o do existir.
Mas restam-nos hoje que possibilidades de experiência nos tempos cruzados em que vivemos? O que há em nós de profundamente humano, que nos tornou o maior predador à face do planeta onde habitamos? É verdade que a arte, os artistas, todos nós, precisamos acima de tudo de paz, de condições afetivas e de sossego para o desenvolvimento pleno enquanto agentes vivos no tecido social. E, no entanto, a guerra e os seus protagonistas sempre serviram historicamente como propósito e tema do trabalho artístico. Hoje, dado a extrema velocidade mediática em que vivemos, onde o papel de imortalidade das artes se terá dissolvido, já não será tanto assim. Mas a representação da glória e do sofrimento da guerra foi, durante muito tempo, um tema preferido da arte. A divisão de trabalho entre a guerra e a arte era bastante clara. O guerreiro fazia a luta propriamente dita, e o artista representava essa luta narrando-a ou retratando-a. O artista precisava do guerreiro para ter um tema para uma obra de arte, mas o guerreiro precisava ainda mais do artista. Só um artista era capaz de dar ao guerreiro a fama e assegurar a posteridade para as gerações vindouras. Num certo sentido, a ação heroica da guerra era fútil e irrelevante sem um artista que tivesse o poder de a testemunhar e de a inscrever na memória da humanidade. Hoje os poetas e nós mesmos: somos os guerreiros e os artistas que conjugam em si os dois lados e que por isso solvem na consciência essa invasão do sonho, e do real. Como nos diz Fernando Pessoa na sua Ode Marítima, o cruel nasce do humano e não lhe escapa. Interrogar o tempo que vivemos, que é soma dos algos herdados do passado, associado à imaginação que nos puxa para o futuro, equilibrando-nos no presente: é correr riscos. É ser capaz de agregar ternura e crueldade. De reunir a inteligência e a alegria capaz de levantar a tristeza das ruas e do chão, de penetrar e invadir a indiferença como um artista guerreiro que procura trazer para a luz dos dias a beleza e a fraternidade. Hoje somos todos muitas coisas e há em cada um uma miríade de comportamentos que requer jovialidade, coragem e capacidade de humildade para construir um futuro conjunto onde todos possam ser parte. Rir e chorar, pensar e contemplar, dar a mão e combater são tudo facetas desse infinito ser humano, dessa natureza contraditória, tautológica, paradoxal, incompreensível, provocativa, de tudo isso e muito mais, dessa substância de sonhos de que somos feitos. É por estas razões que defendemos que apesar de o FNI ter como referência um nome que remete para as invasões afinal não é um novo invasor no sentido da guerra, no sentido que essa palavra contém se apenas a utilizarmos no seu sentido histórico. É mais uma provocação dos sentidos da história, da nossa humanidade e desumanidade, do pensar uma ecologia que necessitamos de trazer para a consciência. É uma provocação ao sentir e ao fazer em conjunto, em comunidade que aqui nos propomos trazer à superfície e às ruas de Torres Vedras. Este é o diálogo que desejamos e oferecemos a quem nos visita. Voltamos em 2025.
Comemoramos para honrar a memória de um acontecimento passado e das pessoas que o viveram. Celebramos para partilhar essa memória com os outros e transformá-la num sentimento positivo para a comunidade. No dia 20 de outubro, como sempre fazemos, comemorámos as Linhas de Torres e celebrámos consigo o nosso Dia Nacional.
Aos vilafranquenses que possam ter-se sentido alarmados pela presença de uma galante tropa, munida de sabres, pistolas e carabinas, em frente ao Museu do Neo-Realismo, queremos afiançar: a guarda era de honra, e as intenções, gentis. Tampouco os camponeses que ocupavam parte do passeio representavam qualquer perigo para a ordem pública, não obstante os varapaus e forquilhas de que, por motivos históricos, não se separam nunca.
Eles estavam ali para, com muitos outros amigos das Linhas de Torres, participar na celebração do seu Dia Nacional. A casa, como todos os anos acontece, encheu; e até Junot – que não quisemos pôr na rua com armas e bagagens – se fez convidado para nos ler o testamento que nunca redigiu. Houve discursos, entregou-se os prémios Wellington Honour e pôs-se a conversa em dia com um bom vinho da região.
Este ano, os Wellington Honour foram entregues às seguintes pessoas ou entidades:
Ambiente e Sustentabilidade – AIDGLOBAL, Ação e Integração para o Desenvolvimento Global;
Cultura e Criatividade - Grupo de Danças Históricas da Batalha do Vimeiro;
Acessibilidade e Inclusão - Associação VOA – Inclusão para a Deficiência;
Desporto e Movimento - Clube Desportivo, Recreativo e Cultural da Calhandriz;
Promoção e Divulgação - Clive Gilbert.
Sobretudo – e é isso que todos anos, cada vez mais, fica – homenageou-se o passado e celebrou-se o futuro da nossa região.
A Marcha dos Fortes, que acontece em outubro e atravessa o território das Linhas de Torres numa extensão de 44Km, vai já na sua 17.ª edição, o que faz dela uma honorável veterana. Este ano, a grande novidade foi a sua irmã mais nova, a Marchinha dos Fortes, pensada para as famílias e que na sua primeira edição animou os 4Km de alegre caminhada com muitas atividades.
De entre os muitos valentes da Marcha que, sob um céu carregado, chegaram ao topo da Serra do Socorro para uma pausa retemperadora, um grupo sobressaía: os mais bravos de entre os bravos – os pequenos participantes da 1.ª Marchinha – traziam nos olhos o orgulho de uma missão cumprida. Eles não contam quilómetros à dúzia, como o fazem os caminhantes mais velhos. Mas as muitas árvores que, com a ajuda dos pais e de muitos amigos igualmente generosos, deixaram plantadas numa colina da serra são um excelente augúrio para o nosso futuro comum.
E enquanto os participantes da Marcha dos Fortes iniciavam a segunda parte da sua epopeia, os da Marchinha ficaram ali mesmo, no topo da serra, a aprender a manejar um telégrafo de balões do tempo da Guerra Peninsular, com uma alegria contagiante e um empenho que muito jeito teria dado duzentos anos atrás.