OUTUBRO 2019 A JUNHO 2020
Foto: Gabinete da Secretaria de Estado

Ana Mendes Godinho, Secretária de Estado do Turismo

Licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Legística e Ciência da Legislação. Foi Vice-Presidente do Turismo de Portugal, adjunta e Chefe do Gabinete do Secretário de Estado do Turismo. Coordenadora e docente do curso de Pós-graduação de Direito do Turismo na Faculdade de Direito de Lisboa. É Secretária de Estado do Turismo desde novembro de 2015.

Conversámos com Ana Mendes Godinho sobre a Rota Histórica das Linhas de Torres e o enquadramento deste produto turístico no âmbito da estratégia nacional.

Numa visita às Linhas de Torres Vedras, em maio de 2016, teve oportunidade de conhecer algum deste património e um dos seis centros de interpretação existentes, assim como alguns dos agentes económicos que integraram na sua área de negócio esta temática, por exemplo através de menus de inspiração de época na restauração, passeios de jipe pelos trilhos da Rota Histórica das Linhas de Torres ou os vinhos da região. Com que impressão ficou do potencial turístico deste património?

As Linhas de Torres são um produto extraordinário para promover o território. As experiências que tive durante a visita que fiz são inesquecíveis e são este tipo de experiências que cada vez mais atraem pessoas a Portugal porque são únicas: reviver e compreender a estratégia defensiva das invasões francesas nos centros de interpretação (cada um com a sua contextualização em função do local onde está), conhecer os percursos das invasões num UMM, que nos mostra as paisagens espetaculares da região, visitar uma adega e fazer uma prova de vinhos do Oeste, experimentar uma ementa inspirada na gastronomia da região no século XIX, compreender o sistema de comunicações que aproveitava a geografia do terreno, tudo isto é sentir que estamos a conhecer locais extraordinários onde se decidiu a História de Portugal.

O turismo militar e, nomeadamente, as invasões francesas, é transversal a um território que se estende de Almeida a Elvas, com o seu apogeu na derrota definitiva do exército napoleónico frente às Linhas de Torres Vedras. De que forma pode este tipo de turismo contribuir para a coesão e desenvolvimento territorial?

Um dos grandes objetivos que temos e que identificámos na Estratégia para o Turismo para a década é abrir o mapa turístico de Portugal, alargando o turismo a todo o território e ao longo de todo o ano. Tem sido uma das nossas grandes prioridades e os resultados mostram que o estamos a conseguir através da dinamização, promoção e divulgação de produtos turísticos nas zonas tradicionalmente consideradas menos turísticas.

O turismo militar e, concretamente, as invasões francesas é um instrumento privilegiado para levar quem nos visita a conhecer todo o território, desde Almeida, Idanha, Elvas e, claro, todo o território abrangido pelas Linhas de Torres…

Com o objetivo de dar mais visibilidade a estes produtos lançámos um programa dedicado ao turismo militar – ao qual, aliás, a RTP se juntou para a realização de programas televisivos para divulgação – que inclui uma plataforma (www.turismomilitar.gov.pt) congregando roteiros desenvolvidos com base no património e na história militar nacional. 

A temática das invasões francesas inclui um vasto território e permite desenvolvimento de uma rede de parceiros, tanto públicos como privados, que podem trabalhar em conjunto para dar origem a roteiros turísticos que cruzem o litoral com o interior do país, norte com o centro, com Lisboa e com o Alentejo. Que papel pode desempenhar o Turismo de Portugal para alavancar o turismo militar?

O Turismo de Portugal vem trabalhando com os municípios e com o Ministério da Defesa na identificação de rotas de turismo militar por todo o país para promoção internacional. Nos últimos anos, temos apostado muito na organização de visitas de jornalistas e operadores internacionais, com resultados evidentes na notoriedade e afirmação internacional de Portugal. Em 2018 ultrapassámos quarenta mil artigos internacionais sobre o nosso país e mais de quatro mil prémios internacionais. Com este objetivo, o Turismo de Portugal tem apoiado ações de promoção das Linhas de Torres específicas no mercado britânico e press trips para descobrir in loco as Linhas de Torres.

Se considerarmos que o turismo militar pode contribuir ativamente para a sustentabilidade e a distribuição do turismo ao longo do território e durante todo o ano, é imperativo qualificar e valorizar os recursos humanos e a oferta. Que medidas estão a ser desenvolvidas nesse sentido?

A qualificação e valorização de quem trabalha no Turismo são fundamentais e têm sido uma das prioridades do Governo. Aumentámos o número de alunos nas Escolas do Turismo de Portugal, criámos novos cursos para responder à procura e mudámos os currículos para responder às necessidades de qualificação e capacitação para novos produtos turísticos. Para uma melhor articulação e capacidade de resposta criámos a rede de formação em turismo, que integra os politécnicos e as escolas de turismo. Fizemos também uma reforma das escolas do Turismo, aprovando um novo modelo de organização e reforçando o seu papel de parceiros locais para desenvolvimento de produtos, abrindo as escolas à comunidade para que start-ups possam desenvolver novas ideias e para formação on job nas empresas. Em paralelo, eliminámos as propinas para os alunos até ao 12.º ano de forma a garantir que todos podem ter acesso às escolas de turismo. Temos duas escolas do Turismo de Portugal no Oeste: nas Caldas da Rainha e em Óbidos, que têm sido importantes polos de formação, mas precisam de crescer ainda mais.



O projeto de salvaguarda, valorização e divulgação das Linhas de Torres Vedras foi distinguido pelo Turismo de Portugal, em 2011, como melhor projeto público de requalificação; em 2014 foi-lhe atribuído o prémio Europa Nostra e a Assembleia da República instituiu o dia 20 de outubro como Dia Nacional das Linhas de Torres; por fim, no passado mês de março, as Linhas de Torres foram classificadas como Monumento Nacional. Em que medida estes factos podem contribuir para a diferenciação do turismo nacional e para a notoriedade de Portugal como destino turístico de excelência?

São distinções merecidas e que contribuem para fazer das Linhas de Torres um ponto de visita obrigatória para quem nos visita. Estes reconhecimentos são instrumentos essenciais de promoção, nomeadamente, junto de mercados que estão a descobrir Portugal e que procuram especificamente visitar o património classificado.

O turismo em Portugal representa 18% das exportações. Qual é a estratégia até 2027 para consolidar, ou até reforçar, este valor e que lugar poderá vir a ter o turismo militar no futuro?

O turismo está a mudar estruturalmente em Portugal. Estamos a conseguir crescer essencialmente em valor (+45% de receita turística desde 2015), a abrir o mapa turístico de Portugal – as regiões que mais têm crescido são Centro, Norte e Alentejo – e a diminuir a sazonalidade. O turismo gerou, em 2018, uma receita de 16,6 mil milhões de euros, atingindo 18,6% das exportações totais e e 51,5% das exportações de serviços. Em 2017 e 2018 tivemos o maior crescimento absoluto de sempre em termos de receita turística, conseguindo diversificar e atrair mercados que deixam mais valor em Portugal. Queremos continuar este caminho, promovendo um crescimento sustentável, crescendo cada vez mais em valor e usando o turismo como instrumento de desenvolvimento do território, tendo o turismo militar nas suas várias dimensões – linhas de torres, rotas de fortalezas, faróis – uma grande capacidade de contribuir para estes objetivos.

Ao abrigo da estratégia do Turismo, que papel poderiam as Linhas de Torres e as Invasões Francesas desempenhar enquanto ativos diferenciadores, pela sua história e identidade singular na Europa, mas também como ativos qualificadores, cruzando experiências gastronómicas, vinho, equitação, golfe, cycling and walking, surf, eventos artísticos e culturais – nomeadamente festivais e feiras oitocentistas –, que já existem no seu território?

Os territórios têm de se afirmar pela diferenciação, pela autenticidade e pela sofisticação das experiências que oferecem e esta região possui todas estas componentes. É essencial que toda esta oferta esteja online de forma simples e acessível e seja promovida em rede. O principal objetivo é trazer as pessoas pela primeira vez, porque a qualidade da experiência fá-las invariavelmente regressar.

Que incentivos existem hoje para a estruturação de novos produtos turísticos em torno de itinerários temáticos – acessibilidade e inclusão, sustentabilidade –, capazes de envolver a comunidade residente e garantir retorno para as populações?

No final de 2016, lançámos o Programa Valorizar, que se destina precisamente à criação e estruturação de produto turístico nas zonas tradicionalmente menos turísticas. O programa tem tido muito sucesso, estando já 634 projetos aprovados e em fase de desenvolvimento. Há ainda outros instrumentos lançados pelo Governo que, também, podem enquadrar este tipo de projeto, como as Linhas para a Sustentabilidade no Turismo ou o da Qualificação da Oferta. Nestes últimos, os instrumentos financeiros que mobilizámos alavancaram 2 mil milhões de euros. 

O que está a ser feito em termos de mobilidade no território, nomeadamente no centro e interior do país, para melhorar a resposta e fazer com que estas regiões possam ter, como sucede com os grandes centros urbanos, mais capacidade de gerar atratividade turística?

A acessibilidade e a mobilidade são fundamentais para que possamos levar os turistas a todo o território. Temos hoje uma rede de estradas que é considerada uma das melhores do mundo e que é cada vez mais utilizada por quem nos visita. A qualificação da rede ferroviária, que está em curso, e a aposta feita na mobilidade elétrica são determinantes para a nossa estratégia de abrir o mapa turístico de Portugal. Foi para isto fundamental a construção participada e abrangente do Plano Nacional de Investimentos, já que consagra os investimentos estruturantes que vão ser realizados nos próximos anos em termos de infraestruturas e de comunicações.

Face à atual situação do turismo e especificamente do turismo militar em Portugal, que conselhos pode dar-nos para uma maior eficácia e sucesso de ações presentes e futuras?

São essenciais a aposta na qualificação das pessoas que integram os vários produtos da Rota; a digitalização da oferta e de conteúdos e a sua promoção na rede; eventos-âncora diferenciadores que gerem notoriedade; a comunicação com jornalistas internacionais; a articulação com Lisboa enquanto porta de entrada; e o foco nos mercados que deixam mais valor.

A RHLT trabalha também para que as Linhas de Torres Vedras e as Invasões Francesas não estejam “fechadas” num conceito restrito de turismo militar, procurando a diversidade de experiências no território e o seu cruzamento. De que forma poderá atrair projetos turísticos diferenciados de jovens empreendedores que sejam uma verdadeira alternativa ao “turismo de massas” ou que tenham a capacidade de atrair uma parte dos turistas que todos os dias chegam a Lisboa?

A Rota Histórica tem uma excelente oportunidade de se ligar ao NEST – Centro de Inovação no Turismo e de desenvolver um programa de aceleração de start-ups ou de negócios em torno destes produtos. Nos últimos dois anos apoiámos seiscentas start-ups em programas de aceleração, tendo levado mais de setenta a feiras de turismo em todo o mundo.

O Turismo de Portugal tem sido reconhecido e distinguido internacionalmente pelo seu trabalho na área da comunicação, marketing e publicidade do destino Portugal. Que conselho daria no sentido de desconstruir um preconceito que ainda permanece sobre o turismo militar, entendido por muitos como um segmento reduzido cuja oferta só interessa a militares, académicos e investigadores?

Temos um programa dedicado ao turismo militar, o que mostra a importância que lhe temos dado e que constitui um passo determinante para desconstruir o preconceito. Os eventos de recriação de batalhas em que tenho estado (Almeida, Elvas, Salgadela, etc.) são prova da capacidade de atração que este produto tem e que vai muito para além da académica. Basta ir ao terreno para o constatar. É isso que é fundamental: estar no terreno. Como em qualquer batalha...

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